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Cuba: um sorriso revolucionário
Texto e Fotos: Elson Cormack & Mirella Giongo
Professores do Departamento de Odontologia Social e Preventiva da UFRJ
Apesar das enormes dificuldades econômicas que enfrenta, Cuba surpreende aos que militam na área de saúde pública em todo o mundo, ostentando invejáveis índices de saúde. A mortalidade infantil apresenta níveis inferiores aos de vários países desenvolvidos e o país está muito à frente dos demais da América Latina. Nesse contexto, a saúde bucal também está se sobressaindo.
Elson Cormack, da UFRJ, e Sérgio Sardiña, da Coordenação de Estomatologia do Ministério da Saúde de Cuba.
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Estivemos em Havana e conversamos com Sérgio Sardiña, da Coordenação de Estomatologia do Ministério da Saúde de Cuba, durante o congresso que celebrava o centenário de fundação da Faculdade de Odontologia de Havana.
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Sardiña nos contou sobre o trabalho que vem sendo feito no país, os resultados obtidos e também a sua experiência pessoal durante o período revolucionário.
Elson: Como foi iniciada a prática da Odontologia em Cuba?
Sardiña: A atividade odontológica em Cuba iniciou-se no século XIX e era realizada a princípio por práticos e por dentistas espanhóis, franceses e cubanos, que estudaram principalmente na França e nos Estados Unidos.
Um fascinante exemplo das históricas relações entre Cuba e França é a figura do dr. Oscar Amoedo Valdés, um renomado pesquisador cubano, graduado como dentista, que chegou a Havana em 1863 e que foi eleito em 1907 presidente da Sociedade Odontológica Francesa. Ele foi professor da Escola Dental de Paris e membro da Legião de Honra.
Em 1900 inicia-se oficialmente a docência da Odontologia em Cuba com a fundação da Escola de Odontologia da Universidade de Havana, uma das três primeiras do continente, que está ainda entre as dez primeiras do mundo. Até 1962, ela foi a única faculdade de Odontologia do país.
A prática clínica da Odontologia se desenvolveu rapidamente, seguindo fundamentalmente a escola norte-americana, com atividades centradas na prática privada, limitada às áreas urbanas.
Os dentistas, assim como os médicos, participaram das nossas guerras de libertação, alternando suas funções com a de combatentes e obtendo condecorações militares por sua destacada participação. Um exemplo foi o comandante Che Guevara que era médico e habilitou-se a fazer extrações dentárias, pois esta atividade era considerada de muita importância na luta guerrilheira.
Elson: E como era a Odontologia em Cuba antes da revolução?
Sardiña: Em 1958, havia uma predominância da consulta privada. Como serviço público existiam unicamente as chamadas "Casas de Socorro", onde eram realizadas somente extrações, e alguns consultórios instalados em escolas públicas, com atividade curativa muito limitada. Estes serviços geralmente serviam como moeda de troca de aspirações eleitorais de políticos.
Existiam nessa época no país 1.400 dentistas para uma população de seis millhões de habitantes, ou seja, um dentista para cada 4.286 habitantes, e cerca de 70% desses profissionais trabalhavam na capital.
Não se conhecia a situação epidemiológica das enfermidades buco-dentais, e realmente, essa informação parecia que não interessava para ninguém. Cerca de 40% da população era analfabeta ou sub-escolarizada e 20% desempregada. A eletrificação só beneficiava uma parte da população, fundamentalmente localizada nas áreas urbanas. Coincidentemente, nesse ano se fechou a universidade.
Mirella: E o que aconteceu com a revolução?
Sardiña: Cerca de 50% dos dentistas abandonaram o país, entre eles a maioria dos professores. Nessa época as agressões norte-americanas contra nosso povo foram incrementadas. Os EUA declararam o bloqueio econômico a Cuba, que culminou com a frustrada tentativa de invasão militar através da Baía dos Porcos. Além disso, vivemos de perto a ameaça nuclear durante a Crise de Outubro.
Internamente, foram tomadas várias medidas no país. Decretou-se a reforma agrária e a universidade reabriu suas portas, criando um plano acelerado de formatura para todos os estudantes. Realizou-se uma campanha de alfabetização, e milhares de novas salas de aulas foram criadas. Foram fundados os Círculos Infantis e novas instituições de assistência social. Durante essa fase, iniciou-se a ampliação da electrificação do país, e os principais objetivos econômicos passaram a ser determinados pelo povo. Conseguiu-se eliminar o desemprego, e criou-se o Serviço Social Rural.
Especificamente na Odontologia, foi criado o Departamento Nacional de Estomatologia no Ministério da Saúde Pública e as primeiras clínicas dentais. Foram realizados os primeiros levantamentos para se conhecer a situação epidemiológica do povo cubano, e novas faculdades foram criadas por todo o país. A Estomatologia passou a se constituir e se identificar como um componente da saúde integral do indivíduo. A estes elementos se integrou ainda o conceito de que a saúde é um produto social, e como tal, não pode estar separado do desenvolvimento social do indivíduo e das condições de sua comunidade.
Nesse processo, foi essencial a percepção de que a saúde não se alcança somente com serviços de saúde e que é preciso convertê-la em uma necessidade do indivíduo e em objetivo da vontade política dos governos.
"A saúde é um produto social, e como tal não pode estar separado do desenvolvimento social do indivíduo e das condições de sua comunidade."
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Sérgio Sardiña
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Mirella: O que aconteceu com você nesse período?
Sardiña: Eu sou filho de dentista, meu pai se formou nos Estados Unidos, assim como eu e alguns parentes meus. Em 1959, quando o processo revolucionário se estabeleceu, meu pai optou por aderir à reconstrução do país e disponibilizou o seu consultório e seus serviços para o Estado.
Desta forma, minha vida profissional esteve ligada desde cedo a estas mudanças estruturais. Naquela época, muitos consultórios foram abandonados pelos dentistas que fugiram para os Estados Unidos. Então, o Estado resgatou equipamentos e materiais para o atendimento público, assim como reabriu a Faculdade de Havana, solicitando a todos os dentistas que ajudassem na formação de um Curso de Odontologia para capacitar urgentemente mão de obra especializada, pois Cuba estava praticamente sem dentistas. Foram chamados os alunos que haviam cursado anteriormente a faculdade e que a haviam abandonado por falta de recursos. O objetivo era atender o mais urgentemente possível a população e para isso foram formados também técnicos de higiene dental.
O Curso da Odontologia foi ministrado de forma intensiva, sem prejuízo de carga horária nem de conteúdo, e foram incluídas as disciplinas de Filosofia e História. Todos os dentistas formados que estavam envolvidos com o processo revolucionário participaram dessa formação, dando aulas e supervisionando os estágios intra e extramuros. Para ficarem aptos a realizar essa tarefa, esses profissionais receberam formação em didática do ensino.
Eu participei dos estágios extramurais da faculdade, e a prioridade era levar assistência aos mais necessitados do país. Desse modo, fui trabalhar na parte oriental da ilha, a mais carente e de difícil acesso. Todas as dificuldades encontradas eram certamente superadas pela perspectiva que tinhamos de que, ao realizar aquele trabalho, resgatávamos anos de falta de assistência ao povo cubano.
Mirella: Como foi desenvolvido o Programa de Saúde Bucal de Cuba?
Sardiña: Todo o programa foi desenvolvido a partir de levantamentos epidemiológicos com o critério de análise do risco às doenças bucais. Nossa prioridade absoluta é a promoção de saúde e os dentistas de família atuam a partir dos seguintes programas: grávidas, crianças (adolescentes incluídos), adultos, terceira idade, hipertensos e diabéticos.
Existem clínicas especializadas para atenção referenciada, e cada dentista de família é responsável pela população adstrita a um mínimo de três e a um máximo de cinco médicos de família, vinculado diretamente ao Programa de Agentes de Saúde, coexistindo também os atendimentos realizados pelos dentistas homeopatas e acupunturistas ligados ao mesmo sistema.
Elson: Quais foram os principais resultados obtidos?
Sardiña: Os levantamentos mais recentes, realizados entre 1984 e 1999, demonstram que o percentual de crianças de 5-6 anos com COP=0 aumentou de 29% para 55%. Durante esse mesmo período, o índice CPOD médio aos 12 anos caiu de 4,37 para 1,62 e o percentual de pessoas com 18 anos sem nenhuma perda dental evoluiu de 36% para 76%. É claro que por trás desses números está o gasto crescente que o país tem na área da saúde com cada habitante. Em 1958, ano que antecedeu a revolução, o governo gastou o equivalente a U$ 3,04 por habitante. Em 1980 já se investia U$ 46,01 dólares anuais por habitante, e ano passado (1999), o investimento por habitante realizado no país chegou a U$ 153,52 dólares!
Elson: Existe algum programa sendo desenvolvido nas escolas?
Sardiña: Sim. Dentro do Programa da Criança, atuamos em todas as escolas desenvolvendo educação em saúde, inter-relacionando a saúde individual e coletiva ao meio ambiente e à qualidade de vida. São desenvolvidas estratégias de auto-cuidados e escovação supervisionada.
Mirella: Como é feito o atendimento na área rural?
Sardiña: A implementação do programa é a mesma em todas as áreas, tanto na região urbana como na rural. É claro que enfrentamos maiores problemas na montanhas, pois a maior dificuldade é o deslocamento da equipe. Assim, trabalhamos muito com os agentes de saúde que são lideranças locais.
Mirella: É feita alguma suplementação de flúor em nível sistêmico?
Sardiña: A suplementação do flúor é feita no sal, pois ainda temos áreas na ilha onde não há água encanada. Este método foi implantado com sucesso na Suíça e em alguns países latino-americanos, como México e Venezuela.
Elson: O tabaco é a produção nacional de maior impacto e um valioso produto de exportação. Considerando o risco do câncer bucal, como o Programa de Saúde Bucal interfere nesta questão?
Sardiña: Esta é uma preocupação real e trabalhamos este problema a partir da promoção de saúde, desenvolvendo a consciência do auto-cuidado. Até mesmo Fidel Castro já partilha da nossa preocupação com o câncer bucal e tem evitado se apresentar em público fumando charuto, devido à sua influência perante a população. Todos os dentistas de família são capacitados para desenvolver diagnósticos bucais completos com a intenção de identificarem pacientes de risco.
Elson, Mirella e Sardiña, durante a abertura do
Congresso do Centenário da Faculdade de Odontologia de Havana
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Mirella: De que forma um programa tão amplo e complexo, mantido pelo Estado, consegue estimular os profissionais envolvidos?
Sardiña: Há alguns anos existia uma Comissão de Qualidade. Hoje consideramos que este trabalho está implícito na atuação de cada dentista, técnico ou funcionário administrativo. A qualidade deve ser vista como essência orgânica do trabalho e não um elemento isolado, meramente avaliador. Ela deve ser intrínseca a todas as nossas ações. E se alguma comissão estaria por se criar, seria a da consciência, portanto de caráter individual.
Temos que ter claro que somente com um adequado critério de qualidade poderemos alcançar a eficiência social, expressão máxima da eficiência, já que esta considera a produção em relação aos recursos utilizados, sendo a produtividade a sua ferramenta fundamental.
Ainda que em qualquer sistema se deve buscar a produtividade ótima, a eficiência social não pode ser conquistada sob o critério econômico, já que o sujeito da ação, que é a população, tem outras demandas que vão mais além e que são relativas à nossa missão social. Assim, precisamos estar convencidos que ao final do caminho obteremos também um impacto sobre a eficiência econômica.
A produção de serviços tem que ser quantitativamente suficiente, mas qualitativamente adequada e isto é inseparável, já que corresponde inteiramente com o princípio do nosso sistema - nada deve ficar desvalorizado, a saúde é um direito de todos.